A coisa, que coisa é John Carpenter

Influência explicita em Bacurau, que coisa estranha é a obra de John Carpenter

Publicado Originalmente em 29/08/2019


minha camaradinha Rosa gosta de filmes de terror, tomou gosto também por antologias de filmes antigos. antigos pra ela é qualquer filme anterior a 2010. a última que assistimos foi sobre filmes estadunidenses de adolescentes no colegial – que é termo antigo, o atual é ensino médio- falei pra ela que um dos melhores filmes high school já feitos é Carrie, a estranha, de Brian de Palma, percebi que é também um filme de terror e começamos a pensar numa antologia de filmes do gênero, especificamente de filmes com psicopatas serial killers como Jason, Freddie Krueger, etc

começamos então por aquele que me parece o fundador desta verdadeira dinastia, Halloween (1978) de John Carpenter
eu era um adolescente, como Rosa, na década de 80 e cresci vendo os filmes de John Carpenter, me lembro de gostar muito de Fuga de NY (1981), O Enigma de outro mundo “The Thing” (1982), Christine, o carro assassino (1983), Os Aventureiros do Bairro Proibido (1986). Filmes assistidos no cinema, TV ou VHS, numa época em que não prestava muito atenção no nome do realizador, era puro entretenimento.

virei então um cinéfilo que frequentava cinemas e cineclubes em São Paulo, que apresentavam filmes clássicos ou alternativos, Bijou, Bixiga, Cinemateca, Belas Artes, Centro Cultural SP, já não assitia mais os filmes dele…

com o tempo ele passou a ser cultuado como um diretor autoral, criativo e original, citado como exemplo, copiado, homenageado, refilmado. vide tarantino e o recente Bacurau. este movimento permitiu rever seus filmes com outros olhos. como Hitchcock, que foi cultuado pelos críticos da revista Cahiers du Cinema, que por sua vez, posteriormente , viraram os cineastas da nouvelle vague.

seus filmes continuam sendo um bom entretenimento, mas além disso possui qualidades intrigantes.

em primeiro lugar ele não se prende ao padrão do filme hollywodiano, modelo de desenvolvimento de roteiros, canonizado por Syd Field e seus manuais, verdadeira praga que homogeniza tantos filmes, muitos deles com argumentos muito interessantes mas que se perdem nestas camisas de força previsíveis que em geral acabam caindo na vala do ápice da curva dramática e seus insossos finais felizes, onde tudo se explica, tudo se resolve

os filmes de Carpenter mantém uma atmosfera de mistério, um clima sombrio, uma sensação de iminente ataque, do começo ao fim. neste contexto se articula a ação

o espectador já sabe de cara que há o perigo, mas o ponto de vista ora se confunde com os personagens que muitas vezes não sabem exatamente do que se trata, daí o mistério e o suspense. As vezes o espectador e os personagens sabem muito bem do se trata, o perigo está entre nós, mas o desfecho sempre é incerto. e no final nem sempre tudo fica bem explicado. The Thing, a coisa, que coisa é essa ?

John Carpenter não possui o perfeccionismo, precisão e por conseguinte rigidez estética que vemos em Hitchcock, Kubrick, Sérgio Leone, Coppola, Scorsese, Brian de Palma.

os filmes são irregulares quanto ao ritmo, parecem meio toscos em efeitos especiais, cinematografia, há cenas insólitas e bizarras, as interpretações são exageradas, tudo isso por sua vez abre caminho pro humor, uma leveza que não se leva a sério, e ao fim nada destas imperfeições tira a força da experiência dos filmes, muito pelo contrário

os perseguidores revelam as paranóias arraigadas na história, na cultura dos estadunidenses, ora metaforicamente, ora entendidas como ameaça real. Ataque de índios, comunistas, nazistas, chineses, gangs juvenis, carros, predadores extraterrestres, estrangeiros, bandidos, drogados …

a sociopatia porém atinge a todos, do garoto de classe média do subúrbio ao presidente. os opressores extraterrestres vivem entre nós, como nós, na verdade moldam nossa vida, toda nossa brutalidade e violência. Como se vê em Eles Vivem “They Live” (1988), o preferido do filósofo Slavoj Zizek, com seus óculos desideologizadores

https://www.youtube.com/watch?v=LHIzkTuoQGM

Halloween (1978), hoje parece meio lento, há pouca ação, poucas mortes para um filme de serial killer, mas ao final a sensação de suspensão dos sentidos e do pensamento, de incógnita, parece mais eficiente e interessante do que estes cansativos filmes que parecem montanhas russas de ação e sangue.

Assalto à 13 DP (1976) por exemplo, continua sendo um dos melhores filmes de ação já feitos, recomendo fortemente.

Alexandre Ribeiro

29/08/2019

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