Bacurau atualiza a antropofagia e o tropicalismo. Os Operários de Tarsila e os habitantes da cidade que não está no mapa são potentes retratos do Brasil.
Publicado originalmente em 07/09/2019
o Abaporu é a Monalisa brasileira, filas imensas para ver Tarsila no MASP. a “caipirinha vestida por Poiret” do poema de Oswald de Andrade, batia Picasso e Monet passando a ser o maior sucesso de público do MASP
Abaporu também é a pintura brasileira mais valiosa em dinheiros
o biscoito fino do modernismo enfim atinge as massas.
ou não como diria o mano caetano
quanto do projeto de descolonização da antropofagia, da revolução de todas as formas e estruturas artísticas e sociais almejadas pelos modernistas restaram hoje ?
a cultura, como a língua, o sexo, não tem limites, nem fronteiras, ultrapassa as barreiras, como a água, enquanto as pessoas se relacionarem, as influências mútuas, as trocas de fluídos se realizarão e o que sobra é sempre o amálgama rizomático que são as sociedades, os grupos, os bandos, as tribos, os coletivos, as nações, as identidades
A antropofagia sempre foi um projeto político cultural e uma ordem de ação, imaginar a essência da brasilidade, deglutir a carne e a alma do estrangeiro e criar uma síntese nacional
um projeto ousado e pretensioso
ambicioso e cheio de certezas e verdades
Abaporu (1928) A Negra (1923) Antropofagia (1929)
o verde o amarelo e o azul, o Brasil
o Abaporu é o indígena macunaímico
cacto, mandacaru e bananeira sob o sol
a negra é a mãe de leite
a economia cafeeira
escravidão, imigração, servidão
ao fundo as cores da bandeira da Itália, da tricolor paulista, até mesmo Alemanha, França, o europeu por trás de tudo isso que taí
Carmen Miranda Taí
do cruzamento do Abaporu com a Negra você tem o síntese brasileira que é Antropofagia
idealização branqueadora ?
elogio da mestiçagem ?
Carmen Miranda, bossa nova, o tropicalismo
Carmen Miranda disseram que eu voltei americanizada
Pixinguinha quando voltou da europa onde les batutá encantou os franceses por meses teve que ouvir que a influência do jazz estava acabando com o que havia de nacional brasileiro popular nela
influência que já existia, que já era criticada, contestando a sua legitimidade e integridade como cultura brasileira
Pixinguinha era relativamente jovem e ainda iria produzir muito mais de uma música que hoje é incontestavelmente brasileira
Carmen Miranda também ouviu que voltara americanizada
e Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o Tom também
a bossa nova o cinema novo o teatro oficina o tropicalismo
https://www.youtube.com/watch?v=vk4NL1vpAiE
João Gilberto Undiú
na arte na cultura na realidade carnal tudo se mistura tudo se influencia
mas o mundo real também é repleto de muros, barreiras, preconceitos, racismos, ódios
muita gente que não quer ver mistura nenhuma
por elas seria melhor a exclusão, a separação total e definitiva
fronteiras prisões muros
e uma extrema violência por todos os lados
mas o que fazer se nós, o povo brasileiro teimamos em aparecer por todos os lados
os coletivos, as passeatas, os atos, os protestos, as greves,
o carnaval
os operários de Tarsila é um retrato do povo brasileiro
idealizado e material
preciso em sua representação das variadas etnias
simbólico feito de tela e tinta
Bacurau (2019) Operários (1933)
Bacurau também é retrato do povo brasileiro
idealizado feito de imagens
simbolizando com pixels e datas
filme coral e transgênero
coral
por abordar uma enxurrada de questões
das básicas às complexas
da água, da falta d`água
ouvi que eles queriam fazer o filme com a paisagem seca e quando chegaram para gravar choveu muito e tudo se verdejou
Nelson Pereira dos Santos passou por isso e aproveitou que estava com atores e equipe e acabou fazendo um outro filme que ele inventou na hora , Mandacaru Vermelho, e ainda arrumou o papel do mocinho pra si mesmo, ou vai ver o ator que ia fazer o mocinho se mandou
todo improvisado o filme não ficou muito bom
mas é que o filme original era o magistral Vidas Secas
que ele realizou depois e onde era imprescindível a secura da paisagem
água
educação
os livros
o prefeito
a política
falta ou a presença?
que presença?
o desejo por todos os lados
coral por dar voz a múltiplos personagens
uns profundos, uns propositalmente estereotipados
por se tratar de um filme que nessa construção coral vai adicionando uma série de referências aos gêneros cinematográficos e a temas várias vezes trabalhados internamente nos variados gêneros, mesmo de origens diferentes, que mutuamente se influenciam fazendo com que a própria história, seu fundo e contexto, se construam a partir ou não dos gêneros
um filme transgênero
o povoado que é atacado por uma violenta força superior, tecnológica, bélica, imoral, sociopata, perversa, cujo objetivo e fim é a morte
você tem isso em alguns filmes de Kurosawa, ele mesmo influenciado pelo western estadunidense, influenciando a feitura de novos clássicos do gênero
o caso emblemático é o de Os Sete Samurais, filme confessadamente estruturado como um western de John Ford que gerou Sete Homens e um destino de John Sturges
Yojimbo de Kurosawa por sua vez gerou Por um punhado de dólares, do italiano Sergio Leone, e o gênero western spaghetti
a violência de Sam Peckinpah
as pessoas do povoado tem então que aprender a resistir com as armas que possuem e superar esta força estrangeira que só quer sua exploração e morte
tem que aprender atirar, esfaquear, flechar, enganar, prender, matar
é o cangaço
Lampião, Corisco
Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré
Glauber Rocha
Deus e o Diabo na terra do Sol
O Dragão da maldade e o Santo Guerreiro
Cabezas Cortadas
Buñel
estamos sob o efeito de um forte psicotrópico e vamos te matar
surrealismo e psicodelismo
transgênero
Lunga é o cangaceiro transgênero do século XXI
sexo e sangue
o disco voador da terra plana onde Bacurau não existe parece querer enganar as pessoas do povoado mas isso porque a cabeça do gringo, seja ele dos EUA, Alemanha ou Rio de Janeiro – como a dupla de cariocas, que o gaiato violeiro interpretado pelo cearense Rodger Rogério não perde a oportunidade de mangar, que acham que são brancos como eles e por isso civilizados, tecnológicos, superiores, e que por ignorarem essa diferença, a compreensão do que pensa o outro, vão acabar se dando mal. é como o alemão tendo que explicar aos gringos dos EUA que eles são ainda mais nazistas do que ele jamais poderia ser – pensam que o povo é ignorante
mas ele sabe muito bem que é um drone
drone tirado diretamente do filme Eles vivem (1988) de John Carpenter, o preferido do filósofo Slavoj Zizek,
com seus óculos desideologizadores
https://www.youtube.com/watch?v=LHIzkTuoQGM
é Francisgleidson em Cine Róliudi recriando os gêneros
do kung fu ao western fazendo o seu disco voador de ficção científica
o western / cangaço como paisagem e contexto
e a ficção científica como atmosfera, clima, como forma
transgênero
muito mais que o pastiche de tarantino
o humor, o drone, a música – aquela que os mais jovens acham que é tirada da série Stranger Things – o mistério e o suspense
vem do João Carpinteiro que batiza a escola
John Carpenter e seus filmes que parecem meio toscos, por vezes irregulares como Bacurau, meio bizarros, insólitos, revelando as paranóias estadunidenses de invasão de índios, comunistas, nazistas, gangs juvenis, predadores extraterrestres, estrangeiros, bandidos, drogados …
sabendo muito bem que são uma ameaça mas sem saber exatamente quem são como são e sem saber ao certo como vão atacar
e as vezes descobrindo que no final das contas já estão entre nós o tempo todo e sempre nos atacando
Bacurau além de resistência é um chamado a ação
e que a única forma de derrotar o opressor é unir forças
resgatando a sabedoria dos livros, da escola
da História
o esconderijo que é prisão de outras ocasiões violentas
o Museu que é um dos personagens mais fortes do filme
é aquele Museu Nacional destruído pelas chamas
é lembrar os nomes dos que foram mortos pela sociedade através do tempo e história
as citações entre outros no final do filme de Marisa Letícia, Marielle, João Pedro Teixeira
o cabra marcado pra morrer
e celebrar as verdadeiras lendas vivas
a apolínea Lia de Itamaracá
a dionisíaca Sônia Braga
os verdadeiros mitos
Moacir Santos no céu
e Hermeto Pascoal na terra
Moacir Santos nasceu em Serra Talhada, Pernambuco, negro, sertanejo, pobre, órfão aos três anos
assim como Pixinguinha, um de seus mestres
multi instrumentista, maestro, arranjador, compositor
respeitado e admirado no mundo todo
como Hermeto Pascoal, nascido em Olho d`Água das Flores, criado em Lagoa de Canoa, município de Arapiraca
Serra Talhada, Olho d`Água, Lagoa de Canoa, Bacurau
deles deixo estes discos, espécies de antologias musicais, todos eles, choro, forró e samba, trabalhados de forma ampliada, sem limites, brasileiríssimos, mas por conter toda sorte de influências transcendem seus gêneros e origens e são como bem gosta de dizer o bruxo albino, universais
o choro
o forró
o samba
do Criolo, que vai de brinde, que é do Grajaú , São Paulo e é filho de cearenses
https://www.youtube.com/watch?v=-ITH5nFe_nA
Moacir Santos Choros e Alegria (2005)
https://youtu.be/t_2TrOqcC-8
Hermeto Pascoal e sua visão original do forró (1999)
https://youtube.com/playlist?list=PL1s_99gZZHlY75kKcVgOBo5jKTAXH8YHV
Criolo Espiral da Ilusão (2017)
Alexandre Ribeiro
07/09/2019